Quero contar mais uma conversa sobre a morte, que tive com uma criança de 4 anos. Ela pediu para ir consultar porque estava tendo muito medo, principalmente de cachorro. Isto havia começado há pouco. Eu, desconfiada de que o medo de cachorro recobria outro medo maior, não facilmente dizível, como o medo da morte, perguntei à mãe se ela havia tido alguma experiência de perda de cachorros. A mãe conta de 3 cachorros que morreram no ano passado, dos avós.
Aí, ela começa a elaborar o que se passa na morte, dizendo que os cães foram para o céu do Deus. Eu então lhe perguntei se ela achava que Deus morava era no céu e se ele não poderia ser uma força que também morava dentro da gente, ao que ela responde:
– Não é lá no céu que ele mora?
– Não sei… Eu achava que ele vivia dentro de nós, na árvore, na flor, no bicho.
– Então ele não é gente? Eu acho que ele é gente sim.
E continua:
– Então você está dizendo que ele é sangue?
Fui examiná-la e a conversa continuou. Falei :
– E tudo morre, só que é quando chega a hora. Geralmente precisa de estar bem velhinho ou doente. Se for fruta, tem que estar bem madura.
– Minha avó pode morrer?
– Poder pode, mas acho que ela está com saúde e nem é velhinha.
– Ah, mas ela pinta cabelo.
– Sabia que todo mundo também tem medo?
– Minha mãe tem medo de minhoca.
– E eu, quando criança, tinha medo de uma mulher que ficava louca de vez em quando na cidade que eu morava. Quando ela ficava daquele jeito maluco, ela conseguia levantar um carro, conseguia até quebrar a antena dele com a mão. Eu tremia de medo dela e a minha prima, não tinha medo nenhum. Deixava até que ela a carregasse no colo.
– E seu pai? Ele tem medo de quê? Continuei a conversa.
– De nada.
– Então ele é forte. Pode até te proteger.
– É, mas ele não consegue carregar um carro.
Eu sinto que as crianças sabem exatamente da realidade das coisas, mesmo que não tenham palavras para descrevê-las. Não adianta o adulto vir com consolos falseados, porque ela desmonta todos os argumentos e acaba permanecendo com a MORTE, crua e nua.